Maria Helena Amaro tem colaborado com o jornal "Diário do Minho" ao longo da vida. Muitos dos seus poemas já foram publicados na rubrica "Cultura" deste jornal. Seria muito difícil reunir todas essas publicações. Sendo assim, vamos procurar nesta página divulgar todos os poemas que venham a ser publicados em futuras edições deste ilustre diário bracarense.
Braga, 7 de Julho 2012
Dia dos Avós…
Em Fevereiro,
As acácias ficavam em flor
E a serra cobria-se com um manto
Em tons de oiro e mel…
As ovelhas saíam para o pasto
suculento e soalheiro,
e o pastor,
sentado debaixo dos salgueiros,
lançava no Ceira
barquinhos de papel…
Sentavam-se os velhinhos,
nos degraus da escada,
à espera do sol…
As avozinhas tricotavam as meias,
com as agulhas dançando em rodopio,
como num carrossel …
Tão feliz era a criança da aldeia,
Em casa dos avós!
Havia um rebanho em cada eido,
uma nora,
um cata-vento,
uma figueira,
uma andorinha arrastar a asa,
um galo cantador,
uma galinha choca poedeira…
uma dona de casa.
A manhã era fresca,
a tarde pardacenta,
e ao serão à lareira esfusiante,
as tias contavam as histórias
do João Soldado,
da Gata Borralheira,
da Ti Maria Benta,
do Hilário estudante…
E, quando ia dormir,
entre os lençóis de linho perfumado,
o sono era um vôo de pardal,
canto de cotovia,
entre sonhos de riso
que o sol ia trazer
do despontar do dia…
Em Fevereiro…
eu voltei ao Passado
Que saudade tão doce!
Que Alegria!
Sou neta de Foz de Arouce!
Maria Helena Amaro
Publicado no Diário do Minho em 6 de março de 2013.
Publicado no Diário do Minho em 5 de maio de 2013.
Zé
Eu dava tudo
Por um sorriso desses que me dás
Quando perdoo as tuas traquinices...
És tal e qual
Um botãozinho em flor
Encharcadinho de orvalho transparente
A pingar, a pingar
Alegria e ternura
Num poema de Amor...
Aqui muito em segredo
As tuas traquinices dão ventura...
Se não fosses tu
Assim, tonto de vida,
A nossa escola seria a casa velha
Onde os meninos aprendiam só
A pintar «Zés» vestidinhos de negro!
Deixa lá, Zé!
O milagre há de vir...
E alguém há de pôr
Escrito nos jornais
Que nos dias de sol
Nunca mais há escola, nunca mais...
E nós, então,
Havemos de ir os dois
Correr aos gritos, mãos dadas, campos fora
Caçar grilos, espantar pardais...
Trocaremos depois...
(Bem sabes que não deixo trocar nada...)
Eu serei o Zé... Tu serás a Senhora...
E tu darás lições
Escritas no quadro
Com giz feito do Sol
Que trazes nesse olhar tonto da vida...
.........................................................................
Meu Deus! Ia ser mesmo uma escola divertida!
Publicado no Diário do Minho em 1 de junho de 2013
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 20 de novembro de 2013.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 24 de dezembro de 2013.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. III, em 12 de fevereiro de 2014.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 19 de março de 2014.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, em 14 de maio de 2014.
Publicado no Diário do Minho em 16 de outubro de 2013.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 20 de novembro de 2013.
Menino Jesus de Nazaré
nascido em
Belém
na Galileia
venho
visitar-te
no Presépio
erguido no
salão
do lar
senhorial…
Vestiram-te
de renda e de brocado
e
deitaram-te
num berço
rócócó.
Vestiram Tua
Mãe
de sedas e
cetim…
Ela sorri
para Ti,
feliz,
embevecida,
e S. José de
jaqueta e burel,
olha o
quadro
com ar
preocupado.
Os pastores
são pajens enfeitados
e as ovelhas
brancas de luar
são todas
prateadas.
Os anjos?
Onde estão os anjos?
Ah, os anjos
estão suspensos
lá, no alto
do teto
milenário…
Os Reis
Magos ainda não chegaram
e vão trazer
riquezas
- eu suponho
-
podem ser
assaltados.
Quisera Meu
Jesus
trazer-te
como eles
ouro,
incenso e mirra.
Atrevo-me a
dizer-te
que tudo o
que trazia
para Ti
fui perdendo
ao longo da viagem.
Aos pobres
dei o ouro,
aos doentes
e velhos dei incenso
e só a mirra
eu pude ofertar
aos filhos
órfãos da miséria
e da guerra.
Nada sobrou
para as mulheres viúvas
e para a
mães sem filhos
Nada ficou
para Ti.
Nada ficou
para mim,
para mim que
cheguei tão cansada,
ao Presépio
erguido no salão
do lar
senhorial.
Não importa.
Tu Dás-me
tudo,
eu quero
aquilo que me Dás
em coragem,
fé e sentimento,
em partilha,
aceitação e amor.
Menino de
Jesus de Nazaré
nascido em
Belém da Galileia,
deixa-me
ficar ao pé de ti
de mãos
vazias
mas de alma
tão cheia
a murmurar
poemas sem igual
- Feliz
Natal! Feliz Natal!
Maria Helena Amaro
Dezembro 2013.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 24 de dezembro de 2013.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. III, em 12 de fevereiro de 2014.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, em 14 de maio de 2014.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 30 de julho de 2014.
Publicados no Diário do Minho, Cultura, p. III, em 17 de dezembro de 2014.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 18 de novembro de 2015.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, em 21 de dezembro de 2016.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, em 5 de dezembro de 2018.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, p. II, em 18 de novembro de 2015.
«Botafora» (1944)
(crónica n.º7)
Enchia-se a Ribeira de gente de
todos os tamanhos e feitios e o estaleiro era um mar colorido feito de lenços,
de chapéus de palha e de bonés.
Nessa tarde, não havia escola e
todos nós, lá íamos rua fora de bandeirinha na mão, em fila com a professora
Dona Lóquinha ao lado, direitos ao estaleiro. Ia acontecer o acto mais solene
do ano: «Botafora».
Demoradamente, os carpinteiros, os
calafates, os operários de construção naval, os mareantes, tinham vindo a
construir no estaleiro, o barco, para nós, o mais maravilhoso do mundo!
Olhávamos, de baixo, de pés próximos
da água ribeirinha. Víamos, no alto, aquele monstro enorme rodeado de cordas,
de homens, de ruidosa confusão.
De repente a confusão esfumava-se e
fazia-se um silêncio expectante. Paravam os risos e as falas. Alguém muito
ilustre na vila subia ao ponto mais alto da nau e pronunciava algumas palavras
circunstanciais… Um discurso longo, cheio de louvores e referências a alguém ou
alguns que planearam e construíram o barco… Talvez o orador fosse o Senhor
Presidente da Câmara, Padre Manuel de Sá Pereira ou o capitão da Marinha ou
simplesmente o construtor Senhor Isolino… suponho.
Terminado o discurso, o ruído das
palmas e dos “vivas”, enchia o recinto, inundava de alegria a zona ribeirinha.
O Senhor Arcipreste estendia a mão
aspergindo a água benta… Estava benzido o barco! Havia sempre um momento em que
a banda musical de S. Paio de Antas se fazia ouvir em silêncio de ouro e tocava
o Hino Nacional. Então, alguma dama escolhida, representava as mulheres de
Esposende, atirava uma garrafa de champanhe contra o casco do barco e a seguir,
a sirene dos Bombeiros Voluntários começava a tocar numa saudação de alerta e
de regozijo. O sino da Igreja Matriz, ali perto, espalhava no ar badaladas de
júbilo. – Era então o espanto total: As cordas que sustinham o barco iam
alargando, soltavam-se das amarras, levantava-se a ancora, e os mareantes
empurravam com força o gigante, que deslizava suavemente em direcção à água
para nossa admiração!
Logo que o costado tocava na água
lodosa fazia ouvir um ronco prolongado, triunfante que se estendia por cima de
toda a Ribeira, pejada de gente… Nós, crianças, de bandeirinha na mão
gritávamos entusiasmados: - Botafora! Botafora! Botafora!...
Víamos o monstro de madeira sulcar
as águas em direcção à doca, enfeitado de bandeirinhas multicolores, o povo a
dispersar com cara alegre e nós regressávamos à Escola, a entregar as
bandeirinhas e, depois, a casa. Nesse dia não houvera aulas, mas, a bandeirinha
ficava na Escola… para uma outra comemoração seguinte.
A lição fora dada ao ar livre,
diante das águas do Cávado e do mar, rostos ao vento e mãos ao sol empunhando a
bandeirinha, a saudar o barco construído, a louvar os construtores de tal
monstro e os mareantes corajosos que sulcariam as ondas alterosas, em busca… em
busca, muitas vezes, do pão e de nenhuma alegria. Tempos difíceis, esses!
Recordo tudo com nostalgia: onde está
a Ribeira de meu tempo de criança? Que fizeram do estaleiro?
Tantas saudades do “Botafora”, Meu
Deus!
Maria Helena Amaro
Braga, 1993 – (retirada de um conjunto de crónicas sobre
Esposende – “As gentes da minha terra” – iniciadas em 1993.)
Inéditas.
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A autora não segue o acordo ortográfico.
Publicado no Diário do Minho, Cultura, em 5 de dezembro de 2018.
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